Conhecer a Terra ou o espaço

O Carl Sagan foi quem despertou meu interesse pela ciência, já lá vão muitos anos. A leitura de verão d’ «O Contacto» levou-me a ler «Cosmos» e por daí em diante. Primeiro muita física (de astronomia à das partículas) e eventualmente muito mais biologia (onde me vim a especializar). Há hoje uma área que pretende fundir os dois campos, a Astrobiologia, que em parte se preocupa com a descoberta de formas de vida noutros planetas. Não me parece uma área de estudo demasiado descabida. Admito que suscite alguma curiosidade. Mas num contexto de recursos financeiros e humanos limitados, parece-me um enorme desperdício de tempo e dinheiro, que não me entusiasma particularmente e por vezes chego a considerar uma aberração.

Como é que se admite que se conheça melhor a superfície da Lua e Marte que a do fundo dos oceanos na Terra (que como Arthur C. Clarke disse apropriadamente, dada a percentagem de coberto oceânico do nosso planeta, se devia chamar antes Mar)?

Como é que se admite que havendo ainda tanta espécie de vida, macro- e, sobretudo, microscópica no nosso planeta se invista dinheiro na vã tentativa de descobrir indícios de vida noutros planetas?

É certo que as missões espaciais não têm como principal objectivo a descoberta de vida, mas sim a exploração do espaço. Os instrumentos de detecção de vida vão à boleia. Mas mesmo esse esforço de exploração do espaço me parece, reitero num contexto de recursos limitados, um desperdício. Gastam-se milhares de milhões para planear, construir, preparar equipa e lançar um Vai-Vem, mas uma quantia comparativamente menor em explorar o fundo dos nossos Oceanos, que contêm não só inúmeras e curiosas espécies, muito distintas das terrestres e das marinhas que vivem perto da costa ou superfície. Provavelmente existem milhões de espécies de bactérias nos oceanos ainda por descobrir, algumas certamente com sistemas químicos totalmente distintos, que muito nos poderiam ensinar sobre a história da vida na Terra. Mas há quem defenda de alma e coração, no espírito dos descobrimentos e certamente depois de uma overdose de ficção científica, que a próxima fronteira é o espaço. Um certo cinismo da minha parte, não pode deixar de pensar que os produtos militares que resultam da investigação para a exploração espacial, e que a perspectiva de explorar recursos naturais nos planetas mais próximos é o que realmente motiva os que promovem a exploração espacial. A suportar esta hipótese está o facto da NASA já não construir Vai-Vens há vários anos (vai reciclando os antigos) – a nova geração de Vai-vem resulta de investimento privado.

A ficção científica é complementada pela ideia de que a vida na Terra pode ter tido origem extra-terrestre (panspermia), uma ideia promovida por exemplo pelo físico heterodoxo Sir Fred Hoyle. Li sobre esta ideia na altura que lia «Cosmos» e outros livros do Sagan, e sempre me pareceu uma fuga à questão da origem da Terra. Em vez de investigar como pode ter surgido na Terra, atira-se a origem para o Espaço, sob condições totalmente desconhecidas e à escolha do freguês. Isto quando existem hipóteses e investigação muito plausível para responder à questão difícil da Origem da Vida na Terra.

Há esta ideia que se descobrirmos indícios de vida extra-terrestre, não nos sentiremos “sozinhos no universo”. Mas a ser descoberta alguma forma de vida, será certamente de vida, muito possivelmente já extinta, na forma de bactérias, talvez nanobactérias. Eu cá não me sentirei menos sozinho na vastidão do Universo por saber que existiram umas bactérias em Marte ou Úrano. Não iremos certamente descobrir as formas de vida que tipicamente surgem nos filmes de ficção científica, seja na forma de monstros ou antropomorfos falando inglês ou em música (como no “Encontros de Terceiro Grau”). O Universo é tão vasto e o tempo de viagem entre galáxias de uma ordem de grandeza tão grande que, admitindo que exista vida, e que esta seja inteligente, e que nós fossemos capazes de comunicar com ela, a probabilidade de ambas as formas de vida – terrestre e extra-terrestre – é avassaladoramente pequena.

Temos muitas espécies na Terra a descobrir. Temos espécies na Terra conhecidas a desaparecer por actividade antropogénica. Deixemos a vida extra-terrestre [acrescentado a posterior: em particular, vida inteligente] para a ficção científica.

[Notas:
* Na sequência do post “Conhecer a Terra E o Espaço”, publicado no blogue astroPT, como reacção a este texto, a Associação Viver a Ciência decidiu publicar um texto que esclarece a sua posição sobre a matéria.
** O autor deste texto decidiu também publicar um comentário que pretende clarificar a sua opinião. Pode aceder ao mesmo clicando aqui
*** Leia também o texto “Fascinar Darwin e Galileo“, um contributo de Maria Cruz, Zita Martins e Pedro Russo (em colaboração Joana Martins), escrito também na sequência deste post.
]

Publicado por André Levy

11 responses to “Conhecer a Terra ou o espaço

  1. beyond the cradle

    “Deixemos a vida extra-terrestre para a ficção científica.”
    ó caro André Levy, perdoe-me a sinceridade mas do seu artigo retiro duas conclusões, tacanhez de espírito e ignorância.
    É mesmo cientista?
    Rui Borges
    http://beyondthecradle.wordpress.com/

  2. Sou cientista sim, em particular biólogo.
    Como reiterei várias vezes, em parte esta minha posição está relacionada com haver recursos limitados para a ciência.
    Mas gostava que explicasse o que faz da minha posição tacanha (ou mesquinha) e onde demonstro ignorância.
    É mentira que custa muito dinheiro a exploração do espaço & que ainda há muito por explorar na Terra? Pode argumentar é que a escolha não é entre estas duas opções. Mas a premissa do meu comentário foi esse: dinheiro gasto na exploração especial, usando a título promocional a descoberta de vida noutros planetas, é uma opção errada.

  3. Foi-me dado a conhecer este texto pelo Facebook. Veio rotulado de “péssimo artigo”.
    Só tenho que concordar.
    Já escrevi um artigo sobre esta péssima forma de discutir ciência (ou o seu financiamento), quer pelo autor, quer pela associação que promove este blog e que obviamente promove assim estes textos.
    http://astropt.org/blog/2010/08/06/conhecer-a-terra-e-o-espaco/

    Pela astrobiologia e pela educação científica,
    Carlos F. Oliveira

  4. O comentário é da minha inteira responsabilidade, André Levy, reflectindo a minha opinião pessoal e não devendo reflectir a opinião ou posição da Associação Viver a Ciência.
    Pena que o seu comentário não discuta o tema, e se limite a criticar.

  5. Olá,

    Não. Existem responsabilidades de quem é dono do sítio e utiliza esse sítio para divulgar pseudo-ciência, sobre ignorância da ciência, e para divulgar posições anti-ciência.
    Eu no astroPT não aceito astrólogos ou criacionistas. Porque será?

    É pena que o seu texto não discuta o tema, mas se limite a argumentar , com base na IGNORANCIA sobre o tema, posições anti-ciência (neste caso da astrobiologia).

    E é pena que uma Associação que se diz científica, aceite posições anti-ciência baseadas na ignorância sobre o tema em causa (astrobiologia).
    Isso é normal nos sitios Criacionistas, em que se defende posições anti-evolução, sem se fazer ideia do que se está a falar.

    De resto, já respondi ao seu comentário no astroPT.
    Deixo-lhe um conselho: informe-se melhor sobre astrobiologia (e o astroPT tem muita matéria sobre isso), ANTES de divulgar ignorância sobre o tema.

    Pela astrobiologia e pela educação científica,
    Carlos F. Oliveira

  6. Bom, Carlos Oliveira, uma coisa de que não pode ser acusado é de moderação, no seu uso de palavras e nas acusações ad hominem. Sou Ignorante, um atentado à divulgação científica, e estou quase ao mesmo nível que astrólogos, criacionistas e um pseudo-cientista. Desde que escrevi o comentário aqui, li os textos no astropt, onde deixei um comentário mais extenso. O objectivo do comentário não era um ataque à astrobiologia, nem conotá-la como uma má ciência, ou pseudo-ciência. Aliás se ler o texto original com calma verá isso. O texto é sobre gestão de financiamento limitado em ciência e escolhas. O texto é a minha opinião sobre esse tema, que resulta do lamentável conhecimento, por exemplo, que temos dos fundos marinhos em contraste com a superfície da Lua e Marte. Com o que tanto que há ainda a explorar na Terra (incluindo estudos na Terra que pelo vistos compreende como estudos de Astrobiologia) acho que deveria haver fundos para prosseguir o estudo da Vida e geologia da Terra. Peguei na Astrobiologia porque é a área mais contrastante. Não pretendia divulgar a Astrobiologia, embora tenha tido notas (pelos vistos IGNORANTES) sobre algumas descobertas recentes da área.
    Creio que a sua escolha de “a melhor defesa é o ataque” acabou por não beneficiar o esclarecimento da Astrobiologia ou a divulgação, até porque os remates, na minha opinião, saíram ao lado.

  7. As palavras que utilizo para si, são exactamente iguais para qualquer pessoa que decida atacar a ciência com argumentos mentirosos. Essa é a prova que não faço acusações Ad Hominem. Para mim, tanto faz ser o David Levy, o astrólogo Mokotó, o Criacionista Jack, ou o presidente da república! Se atacarem a ciência de forma ignorante, obviamente que vão ver os seus argumentos estilhaçados.

    Ninguém lhe fez acusações Ad Hominem.
    Foi-lhe explicado com EVIDENCIAS que os ARGUMENTOS que utiliza para atacar a exploração espacial e a astrobiologia, são DISPARATES e fruto da sua IGNORANCIA sobre os temas, e até já o confirmou!
    Se não sabe qual a diferença entre Ad Hominem, ou ataque aos argumentos, aconselho-o a ler sobre isso.

    Já comentou isso no astroPT, mostrando que NAO sabe distinguir entre Ad Hominem e argumentos críticos. Já lhe expliquei que lhe critiquei os argumentos e frases utilizadas. Incluindo, até fiz copy-paste das suas palavras!! Por isso, vir agora fazer-se de vítima, dizendo que está a ser criticado por Ad Hominem é, no mínimo, querer andar a enganar tolos.

    Os seus ARGUMENTOS (consegue ler a palavra???) são do MESMO NÍVEL dos pseudos e criacionistas. Baseiam-se na Ignorancia sobre o tema para atacar certas áreas científicas. Foi o que o David Levy fez! E até confirmou a sua ignorância sobre o tema! Querer discutir um tema no qual se demonstra elevada ignorância é ILITERACIA CIENTÍFICA.

    Eu não quero saber qual era o seu objectivo. Isso é consigo!
    Mas essa NÃO pode ser utilizada como desculpa.
    Eu não posso andar a matar pessoas, e depois usar como desculpa: “eu queria era dar-lhes abraços”.

    O que está nítido é que utiliza argumentos errados, demonstra ignorancia sobre os temas (astrobiologia e exploração espacial), e quer mais dinheiro para a sua investigação (a fazer fé no que disse no comentário no astroPT) ATACANDO outras ciências com mentiras sobre elas.

    O meu objectivo nunca foi “esclarecer” sobre o que é a astrobiologia.
    Pode ter a certeza que quando escrevo artigos a demonstrar as vantagens da astrobiologia, não o faço ATACANDO outras ciências. Que é a estratégia do David Levy neste texto.
    O meu objectivo foi demonstrar a pobreza deste texto, num site de ciência, a atacar de forma ignorante outras ciências.
    E isso foi conseguido. Basta saber ler os ARGUMENTOS.
    Nos meus diversos pontos no post que escrevi no astroPT, claramente demonstrei que o David Levy, “com textos destes, demonstra não saber de astrobiologia, demonstra nem saber para onde vai o financiamento dessa mesma astrobiologia, demonstra não saber os benefícios diários da exploração espacial, demonstra ter iliteracia científica (não devia discutir assuntos que não domina), demonstra querer promover guerras dentro da ciência, e demonstra promover uma cultura pseudo-científica nos argumentos utilizados.”

  8. Adenda:

    Não lhe faço ataques Ad Hominem (à pessoa), porque não o conheço como pessoa.
    Não lhe faço ataques ao cientista, porque não o conheço como cientista.
    Não lhe faço ataques à sua área de investigação, porque não a conheço.

    O que lhe critico sim, é divulgar ignorância científica nos seus argumentos.

    Ainda agora no seu último comentário diz:
    “Peguei na Astrobiologia porque é a área mais contrastante.”
    Não, não é!
    A astrobiologia inclui o estudo da vida na Terra. A astrobiologia inclui a biologia! Logo, não é contrastante! Pelo contrário, é englobante!
    Mais uma vez se comprova a sua ignorância sobre a área científica que resolveu criticar.

    Convido-o novamente a ler TODOS os pontos que escrevi no meu post:
    http://astropt.org/blog/2010/08/06/conhecer-a-terra-e-o-espaco/
    Convido-o inclusivé a ler TODOS os comentários, para ver se finalmente percebe os erros do seu texto, e como o seu texto é um exemplo perfeito de argumentação pseudo.

    No meu comentário 14, por exemplo, poderá ler:
    “Eu disse, e REPITO, que ele utiliza o mesmo tipo de argumentos dos Criacionistas.

    Se fôr ler sites pseudo, incluindo dos Criacionistas, percebe perfeitamente que eles utilizam a IGNORANCIA sobre um tema, inventando até que a “evolução diz isto e aquilo” quando isso é mentira, só para promoverem a sua visão “transviada” do tema.
    Ou seja, por desconhecimento ou não, MENTEM sobre a Evolução, atacando áreas científicas, só para promoverem a sua visão de um certo tema.

    Foi esta a estratégia do David Levy!
    Utilizou a sua própria ignorância sobre exploração espacial e astrobiologia (e ele até já confirmou nos comentários o seu desconhecimento da área), para inventar coisas sobre a astrobiologia (que são mentira, como eu expliquei nos pontos do post), para atacar essas áreas científicas, e para promover a sua visão de um certo tema (financiamento).
    O David Levy poderia ter discutido o financiamento da ciência, explicando o que está mal no processo, ou até (e seria muito melhor!), enaltecendo a qualidade da sua própria investigação!
    Mas não, decidiu utilizar a estratégia pseudo de aproveitar o seu desconhecimento de certas áreas científicas para as atacar!
    Atacar áreas científicas com base no desconhecimento sobre essas áreas, é o que se vê mais nos pseudo!

    O artigo do David Levy não é um artigo a defender uma ideia pseudo, mas é SIM um artigo a enaltecer a argumentação e a estratégia dos pseudo: é um artigo que ataca áreas científicas, baseado na ignorância sobre elas. É um artigo que promove a iliteracia científica (em vez de se informar sobre a área científica, resolveu inventar coisas sobre ela). Ou seja, é um artigo em tudo idêntico aos escritos pelos pseudo.”

    Noto aqui na barra do lado que este é já o artigo mais lido aqui no site desta associação.
    Ou seja, vai de encontro ao que li em muitos comentários pelo Facebook, e a que também se fez referência no astroPT:
    Tanto o David Levy como a associação, com ESTE TEXTO, têm o objectivo de ter mais visibilidade, perdendo credibilidade.
    Se esse era o objectivo do texto (mais visibilidade, menos credibilidade), então PARABENS. Objectivo concretizado.

  9. Pingback: Esclarecimento sobre o artigo “Conhecer a Terra ou o Espaço” «

  10. Na sequência das diversas reacções ao texto de opinião “Conhecer a Terra ou o espaço”, assinado por André Levy e publicado neste blogue, e das críticas que se estenderam à própria instituição, a Associação Viver a Ciência (VAC) decidiu publicar um texto que esclarece a sua posição sobre a matéria.

    O mesmo pode ser acedido através do seguinte link: https://viveraciencia.wordpress.com/2010/08/09/esclarecimento/

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